terça-feira, 11 de abril de 2017

Quando você não é uma razão, pode ser a Hannah

Era só o início das aulas daquele ano em que tudo começou a mudar. Até ali, nas séries anteriores, ele ouvia uma risada aqui, outra ali, mas era inocente demais para entender o que, exatamente, estava acontecendo. Então ficava calado, em silêncio e esperava passar. E passava. Mas não por muito tempo.

Naquele 24 de fevereiro ele ouviu um aluno perguntar: ‘Professora, que dia é hoje?’ Ela, prontamente, respondeu. E foi então que, em uníssono, toda a classe começou a cantar: ‘Parabéns pra você’. Só ele ficou parado, estático, sem entender porque as pessoas o olhavam e, alguns, até se levantavam e iam em sua direção enquanto cantavam. A professora interrompeu a canção antes dele chegar à alguma conclusão, mas o pior ainda estava por vir. ‘Porque esse parabéns?’, ela perguntou. E a resposta foi: ‘Dia 24, professora. É aniversário dele, dia do viado’. Ele não sabe de quem foi a brilhante ideia de associar um número à condição sexual de alguém de forma tão pejorativa, mas, mesmo assim, passou a odiá-lo desde então.


E foi esse padrão que seguiram os próximos dias 23 que vieram depois, intercalado por uma piada ou outra – ‘dia sim, dia também’ – acompanhadas da risada geral da galera. Tinha uma rechonchuda professora de ciências biológicas que até esboçava um sorriso quando isso acontecia.

Ele não teve amigos do sexo masculino naquele ano e as poucas amigas que teve cabiam nos dedos de uma mão e sobrava vaga. Em casa, tinha mais com o que se preocupar. Os pais trabalhavam, logo, precisava ajeitava uma coisa ou outra para aliviar o lado de sua mãe quando chegasse no fim do dia. Além disso, cuidava de sua irmã mais nova: mandava tomar banho, levava para a escola, ajudava na lição de casa, essas obrigações de irmão mais velho. Não tinha tempo para pensar no que estava acontecendo na escola, mas pensava. Sempre pensava.

Cansado daquilo resolveu procurar ajuda no único lugar onde achava que conseguiria algum apoio. Escreveu no nome dos principais – e mais populares – alunos que, diariamente, caçoavam dele e foi até a coordenação, Chorava tanto que mal conseguia falar o que se passava, mas falou. Voltou para a sala e minutos depois a coordenadora apareceu na porta os convidando para um papo. No mesmo dia ele foi ameaçado de tomar uma surra na saída da aula. Mas era só para apavorar o garoto e, mais uma vez, eles conseguiram. Naquele final de manhã, ele correu tão rápido para casa que chegou a vomitar tamanha a sua falta de ar.

Depois disso ele aceitou a sua sina. Foi assim durante todo aquele ano, no próximo um pouco mesmo agressivo, até que, no seguinte, o último dele naquela escola veio a gota d’água. Ele estava feliz, tinha acabado de ficar entre os 20 melhores em um concurso de redação de nível estadual. Desceu para o recreio e, ainda no corredor, recebeu o abraço de felicitações da diretora.

Assim que chegou ao pátio, viu quatro alunos vindo em sua direção - um deles, um dos caras mais famosos  da escola. Se perguntou o que esse pessoal ia querer com ele, mas reconheceu uma amiga entre eles e ficou mais tranquilo. Ao pararem na sua frente, ela liderou o plano. Chamaram mais das pessoas em volta para ouvir e, em alto e bom tom, ela disse: ‘Você não queria conhecer o Eduardo, então, vim te apresentar. Dá três beijinhos nele’. O garoto, mais do que nunca, não entendeu nada daquela cena que acabara de acontecer ali. Olhou em volta em busca de um rosto familiar, qualquer olhar de compreensão, mas não encontrou. Só precisava de ajuda para sair dali sem dizer nada. As pessoas em volta comemoravam, aplaudiam e ele só queria sumir. Então correu. Empurrou todo mundo e correu até esbarrar na diretora e chorar, copiosamente. Por horas.

Ele queria ir para casa. Não haveria ninguém lá. Pensou exatamente na combinação de remédios que faria, ou se iria até à ponte que passava por cima de um dos rios de sua cidade, ou, até mesmo, fechar a casa e liberar o gás da cozinha pelo forno até que aquela dor passasse. Nunca na vida tinha sentido algo tão doloroso assim, chegava a ser sufocante, e ele só queria fazer parar.

Nessa hora entrou em cena um anjo. Uma professora, sabendo que o aluno chorava na sala da coordenação, foi saber o que estava acontecendo. Não fez muitas perguntas, mas o abraçou e, naquele momento, ele soube que, apesar do mundo ser tão cruel, ainda existiam exceções. E essa está com ele até hoje, 20 anos depois.
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Foi à esse tempo que a série ’13 reasons why’ me levou. Foi isso que a história de Hannah Baker me fez lembrar, me fez sentir. Sei que há uma corrente se formando conta a série, mas, acreditem em mim, ela não serve de incentivo e sim de alerta. E digo isso com propriedade, eu já fui Hannah.

Hey, você aí, não deixe que as pessoas sejam um porquê, sério! Mas, se você não conseguir evitar – eu bem sei que isso não é uma escolha – não faça como a Hannah, peça socorro! Acredite, quando não estamos sozinhos, somos muito melhores.

Se precisar de mim, é só chamar. Estarei sempre à disposição. Sempre!


Um comentário:

  1. Triste, como tantas outras histórias de preconceitos, porém sinto alegria ao ler e saber, que apesar dos traumas, houve aceitação de amparo e do amparado. Embora as lembranças tenham ficado, os sentimentos inferiores não criaram raízes 👏👏👏

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