segunda-feira, 20 de junho de 2016

o Brasil que a gente não vê na TV

Semana passada, vários sites pipocaram – em tom de comemoração – que, enfim, após 20 anos, ‘Malhação’, (novela, tipo seriado) da Rede Globo, teria a sua primeira protagonista negra. No currículo da atriz escolhida, Aline Dias, está a novela das sete, ‘Sangue Bom’ e a maravilhosa série, escrita por Miguel Falabella, ‘Sexo e as Negas’, que – não sei porquê – teve apenas uma temporada de exibição (bom tema para uma próxima publicação).

Aline Dias estreará como protagonista na próxima temporada de Malhação
Para aqueles que estão surpresos com o tempo que o fato demorou a acontecer, é importante lembrar que a primeira novela protagonizada por uma atriz negra só foi ao ar em 2004. Exatos 52 anos após a estreia das telenovelas no Brasil. ‘Da cor do pecado’, escrita por João Emanuel Carneiro, trazia a incrível Taís Araújo no papel principal.

E Taís foi além. Em 2009 deu vida a uma das figuras mais emblemáticas da teledramaturgia nacional: a Helena, do autor Manoel Carlos. Mas o fato mais importante não está na personagem, mas na descrição dela: Helena, modelo, 30 anos. Em nenhum momento há qualquer menção à etnia dela e isso, de fato, é uma conquista.

Lázaro Ramos e Taís Araújo são, talvez, o  casal negro mais bem sucedido do país
Em outubro do ano passado, o jornal britânico ‘The Guardian’ trouxe uma matéria sobre o recém-lançado programa ‘Mister Brau’, estrelado por Taís e seu marido, Lázaro Ramos. No texto, o jornalista chega a comparar os atores brasileiros aos astros mundiais: Beyoncê e Jay-Z e, em um programa de TV, a atriz é questionada sobre isso. E ela deixa claro que o foco da publicação não era esse, mas o triste retrato de uma país em que o a população não se via na televisão, já que, segundo IBGE , em 2014, 54% dela é composta por negros e pardos.

Não estou desmerecendo o avanço que ocorrerá em ‘Malhação’, muito pelo contrário, devemos comemorar o fato de que as crianças e adolescentes negras dessa geração terão uma referência diferente das que eu tive (onde os negros eram sempre escravos ou empregados), mas não podemos nos dar por satisfeitos, há um grande caminho a ser percorrido e devemos, sem preguiça, percorrê-lo.

‘A única coisa que separa uma mulher negra de qualquer outra, é a oportunidade. Não se ganha prêmios por papéis que não existem. ’ (Viola Davis, ao receber o Emmy Awards de melhor atriz de 2015)

segunda-feira, 13 de junho de 2016

podia ter sido eu

Na véspera do meu aniversário, juro que eu esperava ter um outro motivo para reinaugurar esse espaço que, durante muito tempo, considerei o melhor lugar para exercer o meu jornalismo. Mas, infelizmente, os planos não saíram como eu esperava. Não estou aqui para celebrar a vida, muito pelo contrário.

Ontem, em Orlando, nos Estados Unidos, 102 jovens foram vítimas de um crime de ódio. 49 deles, morrerem. Não importa o que digam, que grupos terroristas assumam a autoria. Aquele cara escolheu, especificamente, aquela boate, simplesmente, porque acreditava que gays deviam morrer.

Omar Mateen tinha 29 anos, era americano, muçulmano de origem afegã e trabalhava como segurança. Seu pai, Seddique Mateen, não acredita que a motivação para o crime tenha sido religiosa, mas lembrou que o filho expressou revolta ao ver um casal gay trocando carinhos, recentemente, no centro de Miami.

(Reuters)
Que mundo é esse em que estamos vivendo? São ‘lampadadas’ na cara, apedrejamentos, violência física e verbal, gratuita e diária. E por que? Pelo simples fato dessas pessoas amarem pessoas do mesmo sexo? Por que diacho a vida sexual e afetiva do outro incomoda tanto? Faço-me essas perguntas, praticamente, todos os dias e, até hoje, ainda não cheguei à resposta.

Há pouco mais de um mês, passeando pelo meu feed de notícias do Facebook, notei que um amigo muito querido havia compartilhado uma imagem que dizia que as declarações da apresentadora Patrícia Abravanel eram apenas a opinião dela (para quem não acompanhou, a filha do maior comunicador desse país disse, em rede nacional: ‘Eu não acho legal ficar considerando tudo normal. Devemos ensinar para os jovens de hoje que homem é homem, mulher é mulher (...)Não sou contra o homossexualismo (sic), mas sou contra falar que é normal). O argumento? Não é homofobia porque ela não estava batendo em ninguém. Quando as pessoas vão entender que as palavras também machucam? Que quem decide o que é ou não agressão é a vítima e não o agressor?

Eu sei o quanto é difícil lutar contra um preconceito que está enraizado na nossa sociedade, mas não é por isso que devemos desistir. Só no ano passado 260 pessoas morreram, oficialmente, pelo simples fato de ser quem são. Um crescimento de 31% se compararmos com 2009. Quantos mais terão que morrer para que as pessoas entendam que não é só mimimi? Quantos terão que sofrer para que entendam que o ódio também mata? Quão alto teremos que gritar para que, enfim, sejamos ouvidos?

Você não precisa ser gay para lutar contra a homofobia. Também não precisa sair de sua casa? Aliás, pode fazer isso dentro dela. Eduque seus filhos para respeitarem as diferenças, mostre seu ponto de vista à seus pais quando identificar neles ideias que firam a individualidade do outro, repreenda seus amigos que fazem piadas homofóbicas. Sei que pode não surtir um efeito imediato, mas, a longo prazo, podemos construir um mundo mais tolerante.

E, como disse em minhas redes sociais, foram 49 em Orlando, mas poderia ter sido eu, aqui!

Chega!