terça-feira, 25 de julho de 2017

Até aqui...

Desde menino ele tinha sonhos e sonhava grande. Outros países, outras culturas, outras histórias. Mas, sem referências, eram só sonhos. Em seu lar, tinha tudo o que precisava para viver: alimento, conforto, acesso à educação e muito amor. Em seu ‘quintal’, a miséria, o tráfico, a violência. Não conhecia ninguém que tivesse ido à universidade, que tivesse um cargo de gerência em uma grande empresa ou trabalhasse em uma multinacional. Se sentia um estranho no ninho, pois tinha certeza que, entre os seus companheiros de jogo de taco na rua, era o único que pensava sobre isso.

A religião não trouxe só Deus à sua vida, os melhores amigos que conheceu em toda a sua existência, ele fez na igreja. Através da primeira eucaristia, ainda criança, ingressou em um grupo do qual só saiu adulto. Por, mais ou menos, 15 anos, todo domingo de manhã saía de sua casa, feliz da vida para aquele encontro semanal. Sempre que possível se encontravam fora desse horário também, mas foi tudo tão natural que, se perguntassem, ele, provavelmente, não saberia responder em que momento dessa trajetória esse grupo se transformou nos amigos que são até hoje.


Foi nesse círculo que conheceu uma nova realidade. Saiu do seu habitat natural e passou a conviver com uma galera completamente diferente do que estava acostumado. Foi o seu primeiro contato com um aluno de escola particular, por exemplo. E, apresentado àquele novo cenário, pela primeira vez na vida, sentiu-se incluído, parte de algo. Isso foi sensacional e desastroso ao mesmo tempo.


Viver naquele meio por um período tão grande, lhe deu a falsa impressão de ser um deles, mas não era. Eles não moravam no mesmo bairro, não usavam as mesmas marcas, suas moradias eram bem diferentes e, principalmente, mais tarde, não teriam as mesmas oportunidades.

Os anos voaram e a profecia se cumpriu. Fora daquele círculo que lhe era tão familiar, ele se sentia, novamente, um peixe fora d’água. Precisou encontrar outra ocupação para as manhãs de domingo e, principalmente, entender o mundo que agora o cercava. Parece exagero, mas, sim, aquelas pessoas eram prioridade para ele, vinham em primeiro lugar, muitas vezes, antes dele. E, naquele momento, pela primeira vez em mais de uma década, ele não os tinha. Teve que se virar.

Foi duro fazer o caminho inverso. A compreensão de quem ele era, foi um processo doloroso, mas necessário. Ele entendeu que só quando a gente se conhece de verdade pode ter plena certeza do que é a felicidade e descobriu a dele.


Hoje, quase 10 anos depois, ele olha para trás com saudade e não com arrependimento, ainda tem muitos sonhos, tropeça nas dificuldades, reclama da falta de oportunidades, cai, duvida que vai conseguir, cansa... mas continua. Aprendeu que só a persistência pode levar ao êxito e que, descansar é uma ótima opção quando sua vontade é desistir. Que seja sempre assim!  

terça-feira, 25 de abril de 2017

Não sei todo mundo, mas eu sou muito Dandara

No mundo que eu gostaria de viver, as pessoas não se agrediriam e, sobretudo, homens não agrediriam mulheres. No mundo que eu gostaria de viver qualquer mulher poderia sair, de dia ou de noite, com a roupa que quisesse, certa de que não seria importunada, assediada ou violentada. No mundo que eu gostaria de viver os meus iguais jamais precisariam se submeter a subempregos, morar em locais precários e sobreviver do jeito que dá. No mundo que eu gostaria de viver, a empatia seria regra e todos sentiríamos e nos indignaríamos com a dor do outro, sem exceção, como se fosse nossa. No mundo que eu gostaria de viver, todos nós seríamos respeitados por quem somos, independente de credo, orientação sexual, posição social, identidade de gênero ou etnia. Mas eu não vivo no mundo que gostaria de viver.

No último sábado, convidada para a formatura de amigos, Dandara Castro, de Uberlândia/MG, chegou ao evento em um lindo vestido branco. Um belo turbante dourado compunha o look escolhido para aquela noite. Obviamente o seu adorno chamou atenção e ela foi muito elogiada. Mas olhares tortos e maldosos a acompanharam aonde quer que fosse. Já quase no final da festa, um rapaz tentou puxá-lo de sua cabeça. A estudante pediu que ele soltasse e saiu. Não teve a mesma sorte na segunda investida. O mesmo cara, agora acompanhado de vários outros, a encurralaram e, à força, arrancaram o turbante de sua cabeça e o jogaram no chão. Ao se abaixar para pegá-lo, nem ela esperava pelo que aconteceria a seguir: eles jogaram cerveja nela. Muita cerveja. E, mesmo depois de acionar a segurança e todos os agressores (sim, mesmo que eles digam que ‘só tiraram o negócio da cabeça dela’, como alegam, o que eles fizeram, é agressão) serem retirados do recinto, ela ainda foi hostilizada e ridicularizada pela namorada deles.


Não é o primeiro caso de racismo que vemos e, infelizmente, não será o último. Uma jornalista baiana de quem eu gosto muito, me fez refletir sobre o quanto a nossa indignação é seletiva. Eu mesmo já me revoltei com ataques racistas à Maria Julia Coutinho, Cris Viana e Taís Araújo. Mas quem vai se incomodar com a dor da Dandara e de tantas outras e outros como ela? A vida dela não tem glamour, ela não vai virar um hashtag para atrair likes, nem dar aquela visibilidade virtual buscada por tantos. Por isso, ninguém se importa. É só mais uma que vira uma estatística que a grande maioria nem faz questão de saber.

Eu sei exatamente a dor que essa menina sentiu. Na minha geração, as pessoas da nossa cor cresciam se lamentando por ter nascido com ela, nos faziam acreditar que éramos feios e de que nossos cabelos eram ruins. Conhecíamos o preconceito ainda na pré-escola e precisávamos aprender a conviver com ele por toda a vida. Continuam tentando nos convencer de que devemos nos contentar com a abolição que os nossos antepassados ‘conseguiram’ e nada mais. Preto crescendo na vida incomoda!

No baile de formatura Dandara era uma das únicas negras entre os convidados. Os outros, em sua grande maioria, estavam entre as pessoas que trabalhavam na festa. Não, isso não é nenhum demérito, muito pelo contrário, é um trabalho digno, mas atitude daqueles que a agrediram foi um jeito de dizer: o seu lugar não é aqui.

Mas ela resistiu! E que continue resistindo! Por ela, por mim, pelos seus, pelos meus, por todos nós!

‘Quem costuma vir de onde eu sou, às vezes não tem motivo pra seguir
Mas eu sei que vai, que o sonho te traz coisas que te faz prosseguir’

(Emicida)

terça-feira, 18 de abril de 2017

Semana que vem pode não chegar

Independente do grau de amizade, ninguém gosta de receber a notícia de que algum conhecido seu, morreu. Por menor que tenha sido a convivência com a pessoa, há sempre algo a ser lembrado, um fato guardado na memória ou a proximidade com alguém da família. E mesmo que não haja nada disso, a morte, por si só, se torna motivo suficiente para nos entristecer.

No último fim de semana, vivi uma experiência assim. Em poucos dias, descobri que uma querida amiga, dos longínquos tempos da adolescência, estava internada e, logo depois, que havia falecido. Não tínhamos qualquer amizade nos dias atuais e nem lembro qual foi a última vez que havíamos nos encontrado em um dos corredores do supermercado mais frequentado do bairro, mas, ainda assim, foi impossível não lamentar sua partida.



Ela já era mãe de três filhos quando deu entrada no hospital para dar à luz à mais duas, gêmeas. As meninas nasceram lindas e saudáveis, mas a mãe não resistiu. Nessas horas, a primeira coisa que a gente pensa é na dor de quem fica: marido, pais, irmã. É óbvio que eu também tive esse mesmo pensamento, mas fui além. Me perguntei se ela tinha sonhos, objetivos, metas. Pensei em quantos projetos seus estariam em andamento, ainda que só em sua cabeça e se ela teve a oportunidade de dizer tudo o que tinha vontade aos seus.

Em minhas lembranças ela ainda tem o cabelo loiro – que já não usava há muito tempo; namora aquele menino que joga futebol – que já é seu esposo, e dança no ‘Ilha Porchat na TV’ – programa da TV local exibido na década de 90. Ela ainda é a Loirão, irmã da Luíza, que mora ali no final da rua. Como pode alguém partir assim do nada? Eu sei, essa é uma daquelas perguntas das quais, provavelmente, jamais saberemos a resposta.

Na noite de sábado, ela partiu, mas podia ter sido eu, você. A gente, simplesmente, não sabe. Agora estamos aqui e, daqui a pouco, podemos não estar, por isso não desperdice seu tempo. Viva.

Diga às pessoas à sua volta o quanto elas são importantes para você, ame o máximo que puder, em quantidade e intensidade; não deixe seus projetos engavetados, lute para realizar seus sonhos, perdoe a si mesmo e aos outros. Essa não é nenhuma fórmula da satisfação pessoal, mas, vai por mim, o que tiver que ser feito, faça agora. E, ao fechar das cortinas, tenha a certeza de que fez tudo que estava ao seu alcance para ser feliz. Já que, no final das contas, é o que realmente importa, não é mesmo?

‘Não deixe nada pra depois, não deixe o tempo passar
Não deixe nada pra semana que vem, porque semana que vem pode nem chegar’ (Pitty)

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Vá com Deus, minha querida!
Descanse em paz, Carol! <3

terça-feira, 11 de abril de 2017

Quando você não é uma razão, pode ser a Hannah

Era só o início das aulas daquele ano em que tudo começou a mudar. Até ali, nas séries anteriores, ele ouvia uma risada aqui, outra ali, mas era inocente demais para entender o que, exatamente, estava acontecendo. Então ficava calado, em silêncio e esperava passar. E passava. Mas não por muito tempo.

Naquele 24 de fevereiro ele ouviu um aluno perguntar: ‘Professora, que dia é hoje?’ Ela, prontamente, respondeu. E foi então que, em uníssono, toda a classe começou a cantar: ‘Parabéns pra você’. Só ele ficou parado, estático, sem entender porque as pessoas o olhavam e, alguns, até se levantavam e iam em sua direção enquanto cantavam. A professora interrompeu a canção antes dele chegar à alguma conclusão, mas o pior ainda estava por vir. ‘Porque esse parabéns?’, ela perguntou. E a resposta foi: ‘Dia 24, professora. É aniversário dele, dia do viado’. Ele não sabe de quem foi a brilhante ideia de associar um número à condição sexual de alguém de forma tão pejorativa, mas, mesmo assim, passou a odiá-lo desde então.


E foi esse padrão que seguiram os próximos dias 23 que vieram depois, intercalado por uma piada ou outra – ‘dia sim, dia também’ – acompanhadas da risada geral da galera. Tinha uma rechonchuda professora de ciências biológicas que até esboçava um sorriso quando isso acontecia.

Ele não teve amigos do sexo masculino naquele ano e as poucas amigas que teve cabiam nos dedos de uma mão e sobrava vaga. Em casa, tinha mais com o que se preocupar. Os pais trabalhavam, logo, precisava ajeitava uma coisa ou outra para aliviar o lado de sua mãe quando chegasse no fim do dia. Além disso, cuidava de sua irmã mais nova: mandava tomar banho, levava para a escola, ajudava na lição de casa, essas obrigações de irmão mais velho. Não tinha tempo para pensar no que estava acontecendo na escola, mas pensava. Sempre pensava.

Cansado daquilo resolveu procurar ajuda no único lugar onde achava que conseguiria algum apoio. Escreveu no nome dos principais – e mais populares – alunos que, diariamente, caçoavam dele e foi até a coordenação, Chorava tanto que mal conseguia falar o que se passava, mas falou. Voltou para a sala e minutos depois a coordenadora apareceu na porta os convidando para um papo. No mesmo dia ele foi ameaçado de tomar uma surra na saída da aula. Mas era só para apavorar o garoto e, mais uma vez, eles conseguiram. Naquele final de manhã, ele correu tão rápido para casa que chegou a vomitar tamanha a sua falta de ar.

Depois disso ele aceitou a sua sina. Foi assim durante todo aquele ano, no próximo um pouco mesmo agressivo, até que, no seguinte, o último dele naquela escola veio a gota d’água. Ele estava feliz, tinha acabado de ficar entre os 20 melhores em um concurso de redação de nível estadual. Desceu para o recreio e, ainda no corredor, recebeu o abraço de felicitações da diretora.

Assim que chegou ao pátio, viu quatro alunos vindo em sua direção - um deles, um dos caras mais famosos  da escola. Se perguntou o que esse pessoal ia querer com ele, mas reconheceu uma amiga entre eles e ficou mais tranquilo. Ao pararem na sua frente, ela liderou o plano. Chamaram mais das pessoas em volta para ouvir e, em alto e bom tom, ela disse: ‘Você não queria conhecer o Eduardo, então, vim te apresentar. Dá três beijinhos nele’. O garoto, mais do que nunca, não entendeu nada daquela cena que acabara de acontecer ali. Olhou em volta em busca de um rosto familiar, qualquer olhar de compreensão, mas não encontrou. Só precisava de ajuda para sair dali sem dizer nada. As pessoas em volta comemoravam, aplaudiam e ele só queria sumir. Então correu. Empurrou todo mundo e correu até esbarrar na diretora e chorar, copiosamente. Por horas.

Ele queria ir para casa. Não haveria ninguém lá. Pensou exatamente na combinação de remédios que faria, ou se iria até à ponte que passava por cima de um dos rios de sua cidade, ou, até mesmo, fechar a casa e liberar o gás da cozinha pelo forno até que aquela dor passasse. Nunca na vida tinha sentido algo tão doloroso assim, chegava a ser sufocante, e ele só queria fazer parar.

Nessa hora entrou em cena um anjo. Uma professora, sabendo que o aluno chorava na sala da coordenação, foi saber o que estava acontecendo. Não fez muitas perguntas, mas o abraçou e, naquele momento, ele soube que, apesar do mundo ser tão cruel, ainda existiam exceções. E essa está com ele até hoje, 20 anos depois.
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Foi à esse tempo que a série ’13 reasons why’ me levou. Foi isso que a história de Hannah Baker me fez lembrar, me fez sentir. Sei que há uma corrente se formando conta a série, mas, acreditem em mim, ela não serve de incentivo e sim de alerta. E digo isso com propriedade, eu já fui Hannah.

Hey, você aí, não deixe que as pessoas sejam um porquê, sério! Mas, se você não conseguir evitar – eu bem sei que isso não é uma escolha – não faça como a Hannah, peça socorro! Acredite, quando não estamos sozinhos, somos muito melhores.

Se precisar de mim, é só chamar. Estarei sempre à disposição. Sempre!