terça-feira, 25 de abril de 2017

Não sei todo mundo, mas eu sou muito Dandara

No mundo que eu gostaria de viver, as pessoas não se agrediriam e, sobretudo, homens não agrediriam mulheres. No mundo que eu gostaria de viver qualquer mulher poderia sair, de dia ou de noite, com a roupa que quisesse, certa de que não seria importunada, assediada ou violentada. No mundo que eu gostaria de viver os meus iguais jamais precisariam se submeter a subempregos, morar em locais precários e sobreviver do jeito que dá. No mundo que eu gostaria de viver, a empatia seria regra e todos sentiríamos e nos indignaríamos com a dor do outro, sem exceção, como se fosse nossa. No mundo que eu gostaria de viver, todos nós seríamos respeitados por quem somos, independente de credo, orientação sexual, posição social, identidade de gênero ou etnia. Mas eu não vivo no mundo que gostaria de viver.

No último sábado, convidada para a formatura de amigos, Dandara Castro, de Uberlândia/MG, chegou ao evento em um lindo vestido branco. Um belo turbante dourado compunha o look escolhido para aquela noite. Obviamente o seu adorno chamou atenção e ela foi muito elogiada. Mas olhares tortos e maldosos a acompanharam aonde quer que fosse. Já quase no final da festa, um rapaz tentou puxá-lo de sua cabeça. A estudante pediu que ele soltasse e saiu. Não teve a mesma sorte na segunda investida. O mesmo cara, agora acompanhado de vários outros, a encurralaram e, à força, arrancaram o turbante de sua cabeça e o jogaram no chão. Ao se abaixar para pegá-lo, nem ela esperava pelo que aconteceria a seguir: eles jogaram cerveja nela. Muita cerveja. E, mesmo depois de acionar a segurança e todos os agressores (sim, mesmo que eles digam que ‘só tiraram o negócio da cabeça dela’, como alegam, o que eles fizeram, é agressão) serem retirados do recinto, ela ainda foi hostilizada e ridicularizada pela namorada deles.


Não é o primeiro caso de racismo que vemos e, infelizmente, não será o último. Uma jornalista baiana de quem eu gosto muito, me fez refletir sobre o quanto a nossa indignação é seletiva. Eu mesmo já me revoltei com ataques racistas à Maria Julia Coutinho, Cris Viana e Taís Araújo. Mas quem vai se incomodar com a dor da Dandara e de tantas outras e outros como ela? A vida dela não tem glamour, ela não vai virar um hashtag para atrair likes, nem dar aquela visibilidade virtual buscada por tantos. Por isso, ninguém se importa. É só mais uma que vira uma estatística que a grande maioria nem faz questão de saber.

Eu sei exatamente a dor que essa menina sentiu. Na minha geração, as pessoas da nossa cor cresciam se lamentando por ter nascido com ela, nos faziam acreditar que éramos feios e de que nossos cabelos eram ruins. Conhecíamos o preconceito ainda na pré-escola e precisávamos aprender a conviver com ele por toda a vida. Continuam tentando nos convencer de que devemos nos contentar com a abolição que os nossos antepassados ‘conseguiram’ e nada mais. Preto crescendo na vida incomoda!

No baile de formatura Dandara era uma das únicas negras entre os convidados. Os outros, em sua grande maioria, estavam entre as pessoas que trabalhavam na festa. Não, isso não é nenhum demérito, muito pelo contrário, é um trabalho digno, mas atitude daqueles que a agrediram foi um jeito de dizer: o seu lugar não é aqui.

Mas ela resistiu! E que continue resistindo! Por ela, por mim, pelos seus, pelos meus, por todos nós!

‘Quem costuma vir de onde eu sou, às vezes não tem motivo pra seguir
Mas eu sei que vai, que o sonho te traz coisas que te faz prosseguir’

(Emicida)

Um comentário:

  1. Compartilho da dignidade do teu olhar. É desanimador lembrarmos que estamos em 2022 e coisas do tipo continuam acontecendo. Ainda assim, eu também prefiro acreditar que esse lindo planeta azul e seus habitantes passam por algumas transformações, e que estas vêm para nos ensinar. Continue a sorrir lindamente e a acreditar!

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